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segunda-feira, maio 12, 2014

A CRIANÇA CONCEBIDA COMO “SUJEITO DE DIREITOS”


Foi só a partir da idade moderna que  teorias  focalizaram seus estudos no universo infantil, como a psicologia, a pediatria e a pedagogia. Outros profissionais também começaram a se preocupar com as crianças, como o  assistente social e o  juiz de menores, tornando, dessa forma, a infância uma categoria particular.

Ocorreu também  uma progressiva valorização do lugar ocupado pela criança na família,  tornando o filho, no decorrer do século XIX, o centro desta; passando a ser objeto de investimentos econômicos, educacionais e afetivos.

É neste momento que começou também  a preocupação com a higiene e a saúde da criança.


No Brasil, verifica-se isso, após a chegada da corte portuguesa ao país em 1808.
O maior cuidado com a higiene fez com que as crianças tivessem maior chance de sobreviver. Consequentemente, sua morte passou a ser vivida como um drama.
“Essa vontade de salvar a criança só aumenta ao longo do século XVII... A família moderna, então, preocupada com o futuro dos seus filhos, tentará limitar sua fecundidade”. (ÀRIES, Philippe) (*)


Outra  mudança também pôde ser percebida na inclusão de trajes próprios às crianças.
“A infância passa, então, a se situar numa nova efetividade social enquanto consumidor”. (ÀRIES, Philippe).(**)
Além dos trajes, houve uma gama variada de produtos destinados á infância, como jogos, brinquedos, alimentos e programas de televisão. Também se pode observar que a criança passa a fazer parte de esquemas publicitários, como “garotos (as)” de propaganda.





No Brasil, O Estado a partir do século XIX, começou a tomar para si a responsabilidade com as crianças “vítimas, delinqüentes” ou simplesmente “carentes” (***), vigiando os pais. Se o Estado entendia que os pais não conseguiam cuidar destes filhos, os retirava de sua guarda e os colocavam em instituições que começam a ser criadas como  internatos, orfanatos e reformatórios.
Essa política do Estado tinha como concepção a vigilância das famílias, e se substanciava na substituição do patriarcado familiar por um “patriarcado de Estado.”

O termo “menor” surge nessa época. Inicialmente utilizado para designar uma faixa etária de pobres,  pelo Código de Menores de 1927. Com o tempo, este termo passou a ter uma conotação negativa pela sociedade. Os “menores” eram crianças e adolescentes pobres que tinham uma estrutura familiar diferente da convencional, com mães como chefes de família, com estruturas econômicas e emocionais precárias, para o entendimento da época. Estas crianças eram entendidas por esta condição familiar como tendo possibilidade de tornarem-se “marginais”, e com isso seria um risco a si mesmas e á sociedade. Cabia ao Estado, atender estas crianças “abandonadas, pobres e desvalidas”, mas com uma concepção de assistencialismo, de “salvamento.”

As instituições criadas eram enormes e isolavam estas crianças do convívio social. As massificavam, concebendo todas como tendo o mesmo problema, além de vê-las de forma preconceituosa, já que todas eram um perigo. O código de menores, “acabou por construir uma categoria de crianças menos humanas, menos crianças do que as outras crianças, quase uma ameaça à sociedade” (Ana Maria Monte Coelho Frota)


Foi somente em 1959 que  foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos da Criança. O 1º Princípio dela é:
“Todas as crianças, absolutamente sem qualquer exceção, será credoras destes direitos, sem distinção ou discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição, quer sua ou de sua família.”


No Brasil, após muita luta somente  em 13 de julho de 1990 foi criado o Estatuto da Criança e do Adolescente,  quando pela primeira vez a criança é considerada um sujeito de direito. Isso quer dizer que a criança e ao adolescente é necessário dar condições adequadas ao  seu desenvolvimento, com direitos específicos ligados á sua faixa etária, como: direitos como saúde, alimentação, educação, esporte, lazer, cultura e convivência familiar e comunitária, dentre outros.

Minha intenção com este artigo e os outros anteriores (*****), é demonstrar como a infância é uma construção social, cultural e histórica, e que convivemos até hoje com vários  significados da infância e da criança: "Adultos em miniatura", “Seres inocentes que necessitam de cuidados e proteção”e “sujeito de direitos.
Esses significados conformam uma prática na atuação de educadores e profissionais dos mais diversos que atuam com crianças; assim como, a percepção da sociedade sobre a Infância; e o não entendimento sobre O ECA que continua mesmo após tatos anos.

Para os profissionais que atuam com crianças é importante que identifiquem em si, como as percebem, para que possam em sua lida com elas, cumprirem sua função de contribuírem para seu desenvolvimento.


Tania Jandira R. Ferreira

(*) Esse artigo faz parte de uma assessoria sobre o ECA, á Associação Projeto Roda Viva, realizada em 2013. A distinção em épocas da humanidade tem apenas o sentido de nos situar.
(**) citação do Livro: A história da criança e da família
(***) Estes eram os termos adotados na época.
(****) citação no artigo: Diferentes concepções da infância e adolescência: a importância da historicidade para sua construção.


 

 



quinta-feira, abril 03, 2014

A Criança vista como um ser irracional

Entendendo que a infância é uma construção histórica, social e cultural, trago algumas concepções sobre a  infância na Idade Moderna, para podermos refletir como algumas dessas concepções persistem nos dias de hoje.

A Idade Moderna (1453-1789) é a época da Revolução Industrial. A produção econômica deslocou-se do campo para fábrica, que ficava na zona urbana. Nesta fase da humanidade a  criança começa a ser concebida como um “ser específico”, um ser diferente do adulto.

"A criança passa a receber atenções, as mais diversas, que a reduzem, entretanto, a um ser inocente, débil, fraco, imperfeito, irracional"(Peres).

As crianças eram vistas como objeto lúdico dos adultos. Na Europa  crianças pequenas, brancas ou negras, passavam de colo em colo e eram mimadas a vontade, tratadas como pequenos brinquedos.

“As pequenas crianças negras eram consideradas graciosas e serviam de distração para crianças pequenas, brancas ou negras, passavam de colo em colo e eram mimadas à vontade, tratadas como pequenos brinquedos”. (Priore)
 “ As pequenas crianças negras eram consideradas graciosas e serviam de distração para as mulheres brancas que viviam reclusas, em uma vida monótona. Eram como que brinquedos, elas as agradavam, riam de suas cambalhotas e brincadeiras, lhes davam doces e biscoitos”( Priore)
Para os pais,  filhos eram vistos como obstáculos que atrapalhavam suas vidas social, emocional, conjugal e econômica. Muitas crianças eram abandonadas em orfanatos, entregues amas de leite, ou sofriam de infanticídio. Nas famílias menos abastadas o fator que mais influenciava era o econômico, filhos eram uma ameaça a sobrevivência dos pais. Famílias com maior poder econômico, colocavam suas filhas em conventos, a espera de um marido, que pudesse retirá-las deste lugar. Os filhos iam para os internatos, onde se pretendia que fossem educados.

Com a necessidade de se migrar para obter sustento, foi também necessário que as famílias fossem menores, para que seu deslocamento fosse mais fácil. A “família burguesa” começa a se tornar um ideal para a sociedade, onde a ênfase em se ter filhos não devia ser para  assegurar a continuidade de um ciclo, mas simplesmente para amá-los e ser amado por eles.

Esse ideal divulgado, no entanto trazia enormes contradições para as famílias da classe trabalhadora e  sobretudo as mulheres.
Nessa época o trabalho feminino nas fábricas fazia com que as mulheres, colocassem seus  filhos em casa de amas durante o dia, indo buscá-los a noite. Com o passar do tempo, foram criadas instituições de cuidado, guarda e abrigo para filhos de mulheres trabalhadoras, para que estas pudessem estar mais tempo no trabalho. As jornadas de trabalho eram extensas e o trabalho doméstico ainda era visto como sendo de responsabilidade da mulher.

As atividades de trabalho infantil, que sempre estiveram presentes na sociedade, sejam elas domésticas ou agrícolas, continuaram acontecendo depois da Revolução Industrial. Nas fábricas, além da inserção do trabalho da mulher constata-se a presença de crianças que representavam mão de obra barata, disciplinadas e com baixo poder reivindicatório.

É também na Idade Moderna, que a Igreja e o Estado começam a falar da educação como fator do desenvolvimento da criança, por que se tornou uma preocupação social. Os pais foram estimulados a que delegassem seus poderes e responsabilidades ao educador; com isso a família perde uma de suas funções – educar seus filhos.
A escola começa a substituir a aprendizagem familiar e se tornar uma instituição reservada à proteção das crianças, mesmo que diante de sua família, já que havia um enclausuramento da criança.

Os intelectuais e pensadores da modernidade viam a criança como um ser irracional, que vivia de acordo com os pensamentos e desejos dos outros. A imposição de castigos nesse período era um instrumento pedagógico de educação das crianças. Educar era concebido como um treino para a obediência e disciplina. A escola tinha o objetivo de corrigir as crianças que viviam em constante estado de pecado, gulosas, preguiçosas, indóceis, desobedientes, briguentas e faladoras. As crianças eram vistas como um material a ser moldado.


 


Neste período, a educação também era entendida como importante para preparar mão de obra, mas também havia uma distinção sobre a qualidade e o tipo de preparo que as distintas camadas sociais necessitavam. Os filhos dos burgueses eram preparados para ocupar altos cargos. Os filhos de famílias pobres muitas vezes não chegavam a ir para escola, e quando a frequentavam eram treinados para os trabalhos braçais como de carpinteiros, pedreiros ou agrícolas e mais tarde preparadas para a vida fabril.

No Brasil, nessa época,  ainda estávamos no período colonial e nossa economia era agrícola, mas os reflexos dessa concepção de infância eram sentidos. Os filhos dos senhores iam estudar a partir dos sete anos, cabendo aos filhos dos escravos trabalhar.

Como se pode perceber  algumas dessas situações e concepções acerca da infância continuam a persistir ainda hoje.


Muitos pais também ainda são negligentes com seus filhos, se omitindo em prover as necessidades físicas e emocionais destes, seja com a privação de medicamentos e atendimentos aos cuidados com a saúde, com descuido com a higiene, com o não estímulos e condições da criança freqüentar uma escola, dentre outros.
Além da negligencia, há em muitos casos violência psicológica, que se configura como a ação ou omissão que causa ou visa causar dano a auto estima e o desenvolvimento da criança, através de agressões verbais constantes, ameaças, insultos, humilhação, rejeição, depreciação, discriminação e desrespeito.

Há ainda casos de violência física que se baseia numa idéia de disciplinar seus filhos, que como vimos antes parte de uma concepção da irracionalidade da criança, como se o castigo físico pudesse trazer disciplina, necessária para estar no mundo adulto/racional.
Tanto a negligência como a violência em relação á criança não tem fronteira social. Ela se apresenta como um dado cultural, onde para alguns pais as crianças atrapalham sua vida pessoal.



A violência física e psicológica sobre crianças se apresenta em nossa sociedade também na escola e entre outros contatos que estas tem com adultos. E aqui não me refiro a uma palmada, com sentido de dar limite, mas surras, socos, pontapés, queimaduras, discriminações, preconceitos, humilhações. Nestes casos, as crianças pobres são as maiores vítimas, pois o imaginário social ainda as vê como um perigo potencial.

 



Finalmente podemos observar que a sociedade ainda entende que para os filhos de pobres o trabalho é necessário, que não causa dano e que estes são só responsabilidade de seus pais. Isso pode ser observado quando muitos ainda reclamam de benefícios sociais que vem sendo dadas a famílias para que seus filhos não necessitem trabalhar e permaneçam com suas famílias que mesmo pobres, não negligenciam o afeto que proporciona uma vivência da infância saudável.

Tania Jandira R. Ferreira
Obs: Esse artigo é parte de uma assessoria que dei aos educadores do Projeto Associação Roda Viva, sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente.