Ontem,
no elevador indo ao meu consultório, ouvi de uma senhora ao celular, que precisava
desligar o telefone por que estava indo ao psicólogo e ele ia dar uma bronca nela,
por que sempre tinham várias pessoas ligando.
Perguntei
a ela se o terapeuta estava errado. Ela
não me respondeu.
Eu
disse que a terapia é um espaço para a pessoa, ás vezes o único espaço que a
pessoa tem para se cuidar. Disse também que muitas vezes há pessoas que nos
ligam sem necessidade e se deixamos não temos como nos cuidar.
Ela
me sorriu sem graça e disse que com ela é assim.
Estávamos
chegando ao andar que ela ia.
Me
despedi, me desculpando pela intromissão. Disse que sou psicóloga e ás vezes o
que ela entendia como bronca, era um toque. Ela me sorriu, desta vez não sem
graça. Me deu um tchau com um sorriso largo.
Fiquei pensando. Nossa sociedade imputa as pessoas que cuidem de outros e algumas
pessoas assim deixam de se cuidar.
Cuidar do outro é um valor
ainda para muitos, embora vivamos em uma sociedade individualista e egoísta;
mas muitos ainda precisam se repensar pois acabam deixando de cuidar de si
mesmos e vivem deixando os auto cuidados de lado.
Como alguém que não se
cuida pode cuidar de outros? Como vai ensinar pelo exemplo que cada um precisa
se cuidar?
Algumas
pessoas deixam de se cuidar, com a justificativa de que outros precisam delas,
mas não percebem que estão se saturando e nem sempre vão receber o cuidado de
quem cuidam, quando necessitarem. Depois, quando isso acontece, falam de
ingratidão. E vão estar sós, por que a sua volta, só conseguiram pessoas que não
a vêem como pessoas que hora cuidam,
hora precisam de cuidados. Afinal, todos precisamos em algum momento do outro.
Fiquei
pensando também no que cada um vê como “erro”. No caso que relato, será que a
senhora entende que é um erro não ter um tempo para si? Talvez não. Talvez sua crença é de que muitos precisam dela.
Fiquei
pensando também no que cada um vê como “bronca”. Um toque mais sério do psicólogo?
Um toque sem um olhar carinhoso?
Quando
um cliente traz isso para a terapia, podemos trabalhar essa compreensão. Nem
tudo pode ser carinho, apesar de poder ser compreensão.
A
terapia não é só palavra. Nossos olhos falam, nossas expressões faciais nos
revelam. E esses sinais acontecem a cada
instante, não só na terapia.
As
pessoas “aprendem” e “apreendem” que suas ações são afirmadas ou refutadas pelo
outro, através também de sinais corporais.
Terapia
é um espaço/tempo curto, mas é também uma aprendizagem que devemos levar para
nosso cotidiano, se de fato, se quer modificar o que traz insatisfação na vida.
Terapia
é processo, de um jornada pessoal e única, onde o terapeuta é companheiro de
estrada.
Por
acaso, passei na estrada dessa senhora, por um curtíssimo tempo. Sou uma profissional
do cuidado.
Dei
um toque sorrindo, mas ao mesmo tempo séria, por que em minha prática vejo
muitas pessoas como ela. Se o toque ajudou? Talvez... por um breve tempo...
talvez... mas o sorriso dela ao final se despedindo, não me pareceu de alguém que
levou um bronca. Isso me deixou bem, por ter me intrometido em algo sem que me pedissem.
Fiquei
pensando. Em uma sociedade aonde o carinho é artigo de luxo, muitos não vêem
como carinho um toque de cuidado.
Fiquei
pensando, cada um pode fazer algo, mesmo que seja pequeno.
Mais
não pensei.
Clientes
me aguardavam e cada um no seu tempo, cada um com suas crenças, cada um com sua
história, cada um com sua história sobre o que é cuidar e ser cuidado.
Em
cada estrada que sou companheira, um passo de cada vez.
Tania Jandira R. Ferreira
Maio/2016